Bloomberg Línea — Com a desistência de João Doria (PSDB) de concorrer a presidente da República, a chamada “terceira via” deve se aglutinar em torno da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB). Nenhum dos dois chegou a 5% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais divulgadas até agora, mas as cúpulas dos partidos envolvidos entendem que Tebet, embora menos conhecida pelo eleitor, tem rejeição menor que Doria e deve apresentar desempenho melhor na disputa de outubro.
O cientista político Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da Eurasia Group, uma das consultorias de análise de risco político mais respeitadas do mundo, explica os fundamentos para o diagnóstico. “O nome de Simone Tebet se torna uma alternativa mais viável de unir o PSDB, o Cidadania e o MDB”, afirma, em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.
“Simone é uma liderança feminina, o que é importante, porque talvez ela consiga capitalizar esse voto anti-Bolsonaro que está concentrado nas mulheres. É razoavelmente jovem, do Centro-Oeste do país, de uma família política tradicional. Ela tem um perfil que tem mais potencial. Olhando a soma dos votos que a chamada terceira via pode colher, ela tem mais potencial do que Doria”, analisa.
No quadro geral, no entanto, Garman não vê grandes mudanças. O principal impacto da consolidação se sua candidatura, segundo ele, é na probabilidade de haver ou não segundo turno nas eleições de outubro. “Se ela conseguir uns 8 ou 10 pontos percentuais, empurra a eleição para o segundo turno, que é o que entendemos que aconteça. Mas a relevância da terceira via está mais para impactar a dinâmica do primeiro turno do que para impactar o resultado”, afirma.
“Hoje estamos, na Eurasia, com uma probabilidade de a terceira via ganhar de 5%. Nunca passou de 10%. Esse é o quadro que uma candidatura da Simone Tebet vai enfrentar. Não vejo os contornos da campanha mudando”, continua. “Nós na Eurásia sempre defendemos o argumento de que a grande variável que vai definir a chance da terceira via não é a união em torno de um nome de consenso, ou uma pessoa que tenha potencial de crescimento. Não era isso que estava faltando. O que falta é espaço.”
Leia a seguir a entrevista:
Bloomberg Línea: Quais as repercussões da desistência de João Doria de concorrer e de uma provável união em torno da candidatura de Simone Tebet na terceira via?
Christopher Garman: A maior repercussão é que aumentam as chances de uma candidatura mais unificada na terceira via. O nome de Simone Tebet se torna uma alternativa mais viável de unir o PSDB, o Cidadania e o MDB — ainda não está certo, mas parece ser o caminho mais provável.
É um nome interessante, uma candidatura que tem mais potencial de voto que a do Doria. Simone é uma liderança feminina, o que é importante, porque talvez ela consiga capitalizar esse voto anti-Bolsonaro que está concentrado nas mulheres. É razoavelmente jovem, do Centro-Oeste do país, de uma família política tradicional. Ela tem um perfil que tem mais potencial. Olhando a soma dos votos que a chamada terceira via pode colher, ela tem mais potencial do que o Doria.
Agora, se a pergunta é “isso muda o quadro da eleição? Muda a chance de a terceira via prevalecer na disputa?”, a resposta é “não”.
Nós na Eurásia sempre defendemos o argumento de que a grande variável que vai definir a chance da terceira via não é a união em torno de um nome de consenso, ou uma pessoa que tenha potencial de crescimento. Não era isso que estava faltando. O que falta é espaço.
Temos um presidente concorrendo à reeleição, com uma base razoavelmente firme de apoio, e o candidato que ocupa o espaço da oposição, que é o Lula. Nós fazemos uma análise olhando todas as eleições em que o governante concorre à reeleição em sistemas disputados em dois turnos: analisamos 226 eleições mundo afora, estaduais, locais, e é muito raro um governante não chegar ao segundo turno.
A única chance que a terceira via tinha era a de um cenário econômico prejudicando ainda mais a aprovação do presidente, e nós vimos o oposto desde o início do ano. A aprovação do presidente foi de 30% para 36%, o ótimo ou bom foi de 24% para 30%, e as chances da terceira via caíram proporcionalmente. Já eram muito baixas e estão menores ainda.
Hoje estamos, na Eurasia, com uma probabilidade de a terceira via ganhar de 5%. Nunca passou de 10%. Esse é o quadro que uma candidatura da Simone Tebet vai enfrentar. Não vejo os contornos da campanha mudando.
O que muda?
O que pode impactar mais é a chance de ter um segundo turno ou não. Se a Simone Tebet conseguir uns 8 ou 10 pontos percentuais, empurra a eleição para o segundo turno, que é o que entendemos que aconteça. Mas a relevância da terceira via está mais para impactar a dinâmica do primeiro turno do que para impactar o resultado.
Esses 8 ou 10 pontos percentuais consideram Ciro Gomes (PDT) também?
Sim. Não é uma aposta de que ela vá chegar aos 8 ou 10 pontos, mas não me surpreenderia se ela saísse dos 2 ou 3 pontos que tem hoje e chegasse a uns 8 ou 10. Ciro talvez fique estável e não suba mais. A soma dos dois dificilmente vai ser acima de 20%, mas tende a empurrar a disputa para o segundo turno.
O que não sabemos é se o eleitor vai ter um voto estratégico ou não. Às vezes o pessoal fala no voto útil, que é votar no candidato menos ruim no segundo turno. Mas se o eleitor ver as eleições como uma disputa entre Lula e Bolsonaro, talvez os eleitores da Simone e do Ciro migrem para Lula ou Bolsonaro já no primeiro turno. Isso é algo em que temos que ficar de olho. É difícil antecipar como pode ser esse voto útil na reta final da campanha, mas a robustez das candidaturas Ciro e Tebet vai impactar isso.
A discussão é se vai ter ou não segundo turno, então?
Sim. E, evidentemente, ter uma candidata a presidente mulher é importante. É salutar. E é uma algo que ela vai testar, que é uma candidatura feminina presidencial. Veremos o quanto ela pode cativar e o quanto isso pode ser um ativo, além do perfil dela de senadora que tem uma imagem de renovação. Mas são comentários na margem. Estruturalmente, a dinâmica de uma eleição polarizada não vai mudar.
A senadora não se identifica — ou pelo menos nunca foi identificada — com o campo dito progressista. A consolidação da candidatura dela prejudica mais Lula ou Bolsonaro?
Tende a prejudicar um pouco mais Bolsonaro no segundo turno. Ele tem uma fragilidade com o voto feminino, é um ponto fraco dele. Uma candidata mulher pode realçar essas dificuldades. E a Simone tende a apoiar Lula no segundo turno.
No primeiro turno, Simone pode roubar mais votos de Lula do que de Bolsonaro. Mas só no primeiro turno, não na eleição como um todo, porque ela pode tirar votos de Lula antes, mas depois os eleitores dele voltam no segundo turno.
A grande questão é: por quê? A terceira via parece disputar de 3% ou 5% dos votos. Do ponto de vista pragmático, por que insistir nessas disputas entre os candidatos?
Olha, mesmo que não impacte no perfil da bancada como um todo, ter um candidato a presidente pode dar certa projeção e imagem a um partido. O PSDB sempre tem cumprido sua função e vocação de ter um candidato a presidente, o MDB talvez queira renovar a sua imagem e isso pode ser útil.
E também pode colocar esses partidos, se carregarem algum capital eleitoral, para negociações em um eventual segundo turno. E também a senadora considera importante ter uma candidatura feminina a presidente do Brasil, que represente as mulheres na política. E mesmo perdendo, alguns candidatos podem sair ganhando se tiverem projeção nacional maior saindo dessa disputa.
É a primeira vez desde que o PSDB existe que o partido não será cabeça de chapa. E é a segunda vez desde Ulysses Guimarães que o MDB será cabeça de chapa — a outra foi com Henrique Meirelles em 2018. Quais os significados desses dois fatos?
É a crônica de uma crise lenta e consistente do PSDB nos últimos anos. É a queda do PSDB na sua relevância nacional. E a crise interna do partido exacerbou esse ambiente que já estava grave. Então, sim, é relevante. É uma crise anunciada de diminuição da relevância do PSDB no plano nacional que vem se acumulando. O partido está em estilo de sobrevivência, vamos ver o que sai, mas o PSDB sem candidato próprio acaba tendo mais dinheiro para direcionar para a sua bancada.
Agora, se o PSDB perder em São Paulo — e há um grande risco de que isso aconteça —, aí a base regional cai. Claro que o partido tem vocação nacional, mas é um movimento de retranca, de evitar uma queda maior na sua bancada.
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