São Paulo — Viajar para dentro ou fora do Brasil tende a ficar mais caro no segundo semestre. Será reflexo da tão falada inflação do setor de serviços, observada desde o fim do ano passado, com a reabertura das fronteiras e a busca crescente dos brasileiros por pacotes de turismo, após o jejum dos dois anos de restrições à mobilidade impostas pela pandemia da covid-19, segundo dados do setor consultados pela Bloomberg Línea. Mesmo assim, 2022 deve terminar como o ano da recuperação de faturamento do mercado nacional de viagens, voltando aos níveis de 2019, antes da crise sanitária.
A queda do dólar para um patamar abaixo de R$ 5 estimula a demanda por pacotes internacionais para o fim do ano, enquanto operadoras de turismo ensaiam recompor suas equipes de trabalho. Companhias aéreas devem, por sua vez, continuam ampliando a oferta de voos e de destinos, a fim de compensar em parte as perdas financeiras acumuladas durante o auge da crise sanitária global.
“Vamos conseguir fechar 2022 com um aumento de faturamento em relação ao período pré-pandemia”, diz Roberto Haro Nedelciu, presidente da BRAZTOA (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo).
O primeiro semestre deve chegar ao fim em junho com um forte movimento de recuperação das vendas de pacotes, segundo a entidade. Outras fontes também confirmam essa avaliação de que o turismo brasileiro ingressou em um caminho positivo. Segundo dados da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), a venda de seguro de viagem cresceu 219% no primeiro trimestre, entre janeiro e março, na comparação anual, em virtude da retomada de voos internacionais.
Já o Itaú Unibanco (ITUB4), maior banco do país, registrou uma alta de 150% no valor transacionado no primeiro trimestre em compras efetuadas com cartões nos segmentos do turismo. No relatório Análise do Comportamento de Consumo, divulgado na quarta-feira (26), o banco cita que, na semana do feriado do Carnaval (28 de fevereiro a 1º de março), o público aproveitou a folga para viajar. Os gastos com turismo no período cresceram 656% e devem seguir nessa trajetória.
“O turismo cresce muito forte com a flexibilização do isolamento. Quando viajam, as pessoas estão buscando mais por teatro, por cultura e também por zoológico, com programas familiares e suas crianças também”, observou Paula Cardoso, CEO da Rede, empresa de meios de pagamento do Itaú.
O setor de viagens não se recupera só no Brasil. O turismo na região da América Latina e do Caribe reaqueceu desde março, segundo dados da Visa Consulting & Analytics (VCA), com base nas transações presenciais realizadas. Houve, em março, um aumento superior a 86% no número de transações cross-border (fora do país de emissão do cartão) na região na comparação anual.
Segundo a consultoria da Visa, os países nos quais foram registrados o maior número de credenciais únicas realizando transações cross-border em março foram Argentina, Porto Rico, Brasil, Chile, que tiveram mais viajantes internacionais fazendo transações presenciais.
Temporada de inverno
O segundo semestre começa com a temporada de inverno no hemisfério Sul. A Aerolíneas Argentinas, por exemplo, deve realizar voos diretos entre São Paulo e Ushuaia, no extremo do continente na Patagônia, a partir do próximo dia 11 de julho, às segundas e às sextas-feiras (ida) e aos domingos e às quintas (volta), apostando nos visitantes que buscam pistas de esqui e experiência no gelo.
Já a Latam marcou para o próximo dia 25 de julho a retomada da rota Fortaleza-Miami com um voo por semana, tornando a capital cearense a quarta cidade brasileira com operações internacionais da companhia, que já retomou voos ao exterior a partir de São Paulo/Guarulhos, Rio de Janeiro/Galeão e Porto Alegre. O voo Fortaleza-Miami não era operado desde abril de 2020.
Foram programados quase 3 mil voos domésticos e internacionais para a alta temporada de julho no Brasil, segundo a Latam. O aumento das decolagens em relação a junho de 2022 visa atender à crescente demanda por viagens domésticas e internacionais no Brasil em um momento de retomada do turismo de lazer e durante o mês de férias escolares no país, informou a empresa.
Por sua vez, a Gol (GOLL4) anunciou que, a partir de julho, tanto a rota Brasília-Miami como entre Brasília-Orlando terá frequência diária de voos. Em maio, a companhia realizou o seu primeiro voo a partir do Brasil para Miami desde março de 2020, com quatro frequências semanais entre as duas cidades às terças, quintas, sábados e domingos.
Outra expectativa das operadoras de turismo é o aumento da procura por viagens de fãs da Seleção Brasileira e de futebol para o Catar para assistir a Copa do Mundo, que desta vez, excepcionalmente, acontecerá no fim do ano: começará em 21 de novembro e terminará em 18 de dezembro. O Safra, por exemplo, começou em maio a oferecer o rial, moeda oficial do Catar, nos postos de atendimento do banco nos aeroportos de Guarulhos, em São Paulo, e do Galeão, no Rio de Janeiro.
Já a prefeitura de São Paulo, maior metrópole brasileira, aposta no calendário de eventos estratégicos para dinamizar as atividades turísticas, principalmente a hotelaria e os segmentos de bares, restaurantes e clubes. Em julho, por exemplo, o destaque da capital paulista é a Bienal Internacional do Livro, que será realizada dos dias 2 a 10, no Expo Center Norte.
Em setembro, a cidade mais populosa do Brasil deve ficar movimentada com as festividades do Bicentenário da Independência do Brasil. Em novembro (entre os dias 11-13), haverá o Grande Prêmio São Paulo de Fórmula 1, no Autódromo de Interlagos.
Zoo
Atrações turísticas tradicionais de São Paulo também já registram números de público acima do período pré-pandemia e devem continuar atraindo visitantes no segundo semestre. É o caso do Zoológico. Em 2019, a média de visitantes em um final de semana comum era de 9 mil pessoas. Em 2022, já existem finais de semana com até 12 mil pessoas, um aumento de 30%, segundo a Reserva Paulista, concessionária responsável pela gestão do Zoológico, do Zoo Safári e do Jardim Zoológico desde dezembro de 2021.
“Sabemos que o confinamento durante a pandemia despertou nas pessoas o desejo de se reconectar com a natureza e ampliou a preferência por passeios em lugares abertos. O Zoológico oferece ainda atividades lúdicas de educação ambiental, em meio a 300 hectares de reserva de mata atlântica na cidade”, afirma Rogério Dezembro, sócio gestor da Reserva Paulista.
Os passeios nos zoológicos e em aquários fizeram parte das atividades de entretenimento das famílias neste início de ano, com alta de 109% no valor transacionado e de 91% na quantidade de operações, segundo o relatório Análise do Comportamento de Consumo, do Itaú Unibanco, com base nas compras realizadas no trimestre com cartões do Itaú Unibanco e nas vendas realizadas nos sistemas da Rede. A pesquisa não revelou dados de volumes.
Inflação
A retomada do turismo na capital paulista ocorreu em um semestre marcado pela disparada da inflação e elevação dos juros, cenário macroeconômico que eleva o custo de empréstimos e desestimula o consumo. Por exemplo, os preços das passagens aéreas subiram, em média, 23,6% em abril, em decorrência do encarecimento do preço do querosene de aviação, segundo último dado fornecido pela FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).
Com as altas do etanol (9,6%), do óleo diesel (4,8%) e da gasolina (1,8%), observou-se alta no preço das corridas de táxi, que apontaram aumento médio de 38,8%, em razão do reajuste da bandeira, de R$ 4,50 para R$ 5,50 – o que não ocorria desde 2016, segundo a FecomercioSP.
Aluguel de carros
A Rentcars, plataforma de aluguel de carros da América Latina, fez um levantamento do comportamento dos brasileiros relacionado a viagens internacionais nos quatro primeiros meses do ano e identificou a volta à normalidade do mercado, com um aumento superior a 600% na escolha por destinos do exterior na comparação anual.
Dentre os destinos internacionais mais procurados pelos turistas brasileiros, os Estados Unidos seguem na primeira posição, com um crescimento de 55% na demanda somente no início do ano, segundo a Rentcars. Cidades como Miami e Orlando continuam sendo as preferidas pelos brasileiros que buscam atrelar lazer às compras, além de Fort Lauderdale, Los Angeles e Nova York.
A busca pela Europa também é grande, segundo a Rentcars: Portugal, Itália, Espanha e França são os países mais procurados, sendo Lisboa a cidade mais buscada. Já na América Latina, México e Uruguai são os destinos preferidos neste momento.
Dados da ClickBus, plataforma online de transações para o transporte rodoviário de ônibus no Brasil, também sustentam o diagnóstico da recuperação das viagens no primeiro semestre. Segundo o CEO da empresa, Phillip Klien, há uma forte demanda na busca de passagens. Ele estima um crescimento entre 80% e 90% para 2022. A plataforma informa ter visto o volume de passagens vendidas neste ano mais do que dobrar se comparado ao ano anterior e 67% acima de 2019, pré-pandemia.
Cruzeiros
O segmento de cruzeiros também está animado. A temporada 2022/2023 começa em dezembro. Segundo a Braztoa, entre os pacotes mais comprados estão os de viagens de navio.
“Esse cenário mostra que a demanda reprimida por viagens segue se concretizando, com embarques mais próximos entre as pessoas de maior poder aquisitivo – vide o destaque para as viagens de luxo -, mas também ganhando força entre todos os brasileiros que amam viajar e que estão se organizando para que o tão desejado roteiro dos sonhos saia do papel”, diz o presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo.
A italiana Costa Cruzeiros, por exemplo, já informou que sua temporada 2022/2023 será a maior dos últimos 10 anos, com os navios Costa Firenze, Costa Favolosa e Costa Fortuna realizando roteiros regulares de dezembro deste ano a abril de 2023. Segundo a companhia, o Costa Firenze estreia na América do Sul como o maior navio da Costa a operar no Brasil, para cruzeiros de três a oito noites visitando destinos brasileiros e a região do Prata, com embarques nas cidades de Santos, Salvador, Rio de Janeiro e Itajaí.
Turismo de currículo
O chamado “turismo de currículo” também é apontado como outro motor da recuperação do turismo. Devido à pandemia, programas de intercâmbio foram cancelados e, agora em 2022, voltaram a acontecer. Segundo a Belta (Associação de Agências de Intercâmbio do Brasil), 38% das buscas por intercâmbio foram para curso de idioma com trabalho temporário.
Os estrangeiros voltaram a escolher o Brasil como destino para realizarem seu intercâmbio em 2022, com programas de cursos de idiomas ou graduação em português, principalmente por meio do programa Study in Brazil. Desde abril deste ano, brasileiros e estrangeiros estão dispensados da apresentação de documento comprobatório de realização do teste para covid-19, com resultado negativo ou não detectável.
Na nova política de restrição do trânsito internacional de viajantes, os passageiros devem apenas apresentar à companhia aérea, antes do embarque, o comprovante de vacinação, impresso ou em meio eletrônico. Com essa e outras liberações, estudantes de outros países voltaram a procurar programas de intercâmbio no Brasil, segundo a Belta.
Ações de turismo
Na B3, os dados positivos e de receita crescente do setor de viagens impactam principalmente as ações das companhias aéreas. Apesar da trajetória positiva da demanda, essas empresas ainda enfrentam um cenário de aumento de custos com os reajustes do querosene da aviação e os elevados níveis de endividamento contabilizados em seus últimos resultados financeiros.
“A recuperação do turismo no Brasil é notícia positiva para as ações da Azul (AZUL4) e da Gol (GOLL4). É também uma notícia positiva para as locadoras de veículos e a Marcopolo”, escreveram os analistas Victor Mizusaki (Bradesco BBI) e Wellington Lourenço e Renato Chaves (Ágora Investimentos), em nota enviada aos clientes no último dia 13 de maio. A recomendação é de compra para a ação da Azul, com preço-alvo de R$ 21, e para a fabricante de ônibus Marcopolo (POMO4), com preço-alvo de R$ 4, e de neutra para Gol, com preço-alvo de R$ 21.
Até a última quinta-feira (26), a ação da Gol tinha reduzido suas perdas acumuladas em 12 meses para 40,58%, fechando a R$ 15,30, enquanto o papel da Azul tinha desvalorização acumulada de 50,13% em um ano, a R$ 20,95. A ação da Marcopolo, por sua vez, acumulava ganho de 9% em 12 meses.
Há alguns novos fatores que podem impactar as ações. Caso entre em vigor uma lei cujo projeto foi recém-aprovado no Congresso - falta a sanção presidencial -, que proíbe as companhias aéreas de cobrar pela primeira bagagem despachada, a tendência é que as tarifas sejam reajustadas.
“O projeto forçaria essas empresas a aumentar as passagens aéreas para defender a rentabilidade”, comentaram Mizusaki e Lourenço, em nota enviada no último dia 19.
Para o presidente da Braztoa, as empresas aéreas devem acabar embutindo nos preços das passagens o custo do despacho de bagagem. “Não existe almoço grátis”, disse Nedelciu.
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