Câmbio: É possível prever os rumos do dólar antes das eleições?

Economistas e analistas ouvidos pela Bloomberg Línea comentam os cenários que podem ditar os rumos do dólar em 2022 - e os EUA têm um papel determinante nisso

O movimento recente de queda do dólar acompanha dois fatores centrais: a alta das commodities e a alta da Selic
08 de abril, 2022 | 03:02 AM

Bloomberg Línea — Desde o começo do ano, o dólar vem rompendo sucessivas marcas a ponto de ser negociado no início da semana abaixo de R$ 4,60, um patamar só visto antes da pandemia, há pouco mais de dois anos. A queda provocou uma corrida pelo papel moeda nos bancos e corretoras no último mês. Estrategistas de câmbio entrevistados pela Bloomberg Línea questionam se há espaço para a moeda americana cair ainda mais e tentam desvendar o comportamento do câmbio até as eleições.

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Daqui até outubro, quando ocorre o pleito, o intervalo possível de variação para o dólar é enorme, segundo os entrevistados. Pode ir da casa de R$ 4,20 até perto de R$ 6, praticamente o mesmo que variou nos dois anos de pandemia, a depender da combinação dos mais diversos fatores internos e externos ao Brasil, disseram. “Tem essa coisa céu e inferno”, disse o economista Tony Volpon, estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG) e ex-diretor da área internacional do Banco Central, em entrevista.

Todos concordam que as seguintes variáveis afetam o câmbio:

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  • No lado externo, vai depender da evolução da guerra na Ucrânia (e seu impacto nos preços de commodities), agressividade com que os bancos centrais controlarão a inflação (e se eles vão mergulhar o mundo numa recessão), além do fim (ou ressurgimento) da pandemia, e como tudo isso afetará os fluxos de recursos para o Brasil, sejam eles financeiros, como investimento, ou comercial para pagar exportações e importações;
  • Do lado interno, a questão principal é o quanto o novo governo - independentemente de quem for eleito - terá disposição, apoio político e capacidade para enfrentar os principais problemas e colocar o país no rumo do crescimento (cada um com as mais diversas opiniões sobre o que isso quer dizer).

As dúvidas começam em relação ao peso de cada uma dessas variáveis na determinação do câmbio brasileiro:

  • Alguns veem o lado externo como mais preponderante, dada a enormidade dos fluxos internacionais diante do tamanho do Brasil;
  • Outros dão maior importância à chamada percepção de risco brasileiro diante da indefinição do quadro para o próximo governo;
  • Alguns acreditam que a formação do preço do dólar depende hoje mais do que acontece nos mercados futuros e de derivativos - ou seja, as expectativas em relação a tudo isso - do que na entrada e saída de recursos via comércio exterior e investimentos. “Há indicações de que vários fundos estão vendidos no dólar e comprados no real”, disse Volpon;

Finalmente, segue em aberto como essas variáveis evoluirão nos próximos meses, interação entre elas e, obviamente, alguma surpresa capaz de mudar tudo isso. Mas há alguns consensos e direcionamentos que ajudam a nortear um rumo para algumas dessas questões:

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  • É fato que o Brasil é um grande produtor e exportador mundial de commodities e pode se beneficiar da alta de preços, além da retirada da Rússia desses mercados. “Houve um aumento muito forte das commodities, e a moeda de destaque foi o real”, disse Nathan Blanche, especialista em câmbio da Tendências;
  • Também é aceito que o dólar passou dois anos bastante pressionado durante a pandemia, e agora pode ser o momento de voltar a patamares mais comedidos. “Durante a pandemia, a demanda pelo dólar aumentou, por ser muito mais seguro do que o real”, disse Carlos Heitor Campani, professor de finanças da Coppead/UFRJ;
  • Os preços dos ativos brasileiros, incluindo ações na bolsa, estão defasados e abrem oportunidades em relação ao restante do mundo. “Estávamos baratos, somos produtores de commodities… então o investidor estrangeiro resolveu trazer seu dinheiro pra cá”, disse Marco Antonio Caruso, economista-chefe do Banco Original;
  • A Selic, a taxa básica de juros brasileira, voltou à casa dos dois dígitos e isso atrai recursos atrás de alta remuneração. “Nosso real estava meio largado, com juros muito baixos”, disse Volpon.

Mas para entender essas correlações e o que elas dizem sobre as possíveis movimentações para o dólar diante de um cenário tão complexo como o que atravessamos, é preciso responder antes a algumas perguntas.

Por que o dólar subiu até R$ 5,94?

Carlos Heitor Campani, professor da UFRJ, lembra que a taxa de câmbio brasileira é resultado da demanda pelas duas moedas que, por sua vez, depende das taxas de risco e de juros entre os dois países - por exemplo. “Durante a pandemia, a demanda pelo dólar aumentou, por ser um ativo sem dúvidas muito mais seguro do que o real. Frente a isso, o real se depreciou, e a taxa de conversão começou a subir. E esse movimento se manteve”, disse. A moeda americana chegou até R$ 5,94 em maio de 2020.

Por que o dólar bateu R$ 4,59?

Só que isso mudou com a chegada de 2022, com fluxo crescente para a bolsa brasileira, historicamente ligada a commodities, e aumento mais rápido dos juros no Brasil para conter a inflação. Somente os primeiros três meses de 2022 somaram mais investimentos estrangeiros na bolsa do que o ano de 2021 inteiro, segundo a B3, e abril caminha para ser o sexto mês consecutivo de fluxo positivo de capital vindo de fora. A entrada de dinheiro externo explica a recente queda do dólar, que está no menor patamar em dois anos.

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“Taxa de juros alta e corrida pela bolsa brasileira faz com que pessoas ofertem dólares e demandem em reais, fazendo com que a taxa do dólar em real, caia”, disse Campani.

“Desde o início do ano, o que tem feito preço é a entrada de investimento estrangeiro na bolsa. Nosso real estava meio largado, com juros muito baixos, o que tornou ele um instrumento de hedge até para investidores brasileiros. Com a alta rápida de juros, ficou mais caro fazer esse posicionamento”, disse Volpon.

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Blanche, da Tendências, ressalta que, além do peso das commodities, o Brasil tem fundamentos fortes nas contas externas, comparado com os países vizinhos, o que contribuiu para o fluxo inclusive depois da guerra na Ucrânia. “Para o Brasil, há um benefício de uma insegurança de desabastecimento de commodities, o qual a Ucrânia é um grande exportador”, disse.

Como a eleição afeta o dólar?

Prevista para acontecer em 2 de outubro deste ano, as eleições do Brasil costumam, historicamente, fazer preço e trazer volatilidade aos ativos, particularmente, o câmbio por refletir a chamada percepção de risco brasileiro com grande liquidez.

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Por trás das discussões acaloradas dos candidatos, o que os agentes do mercado de câmbio estão de olho são as propostas - e as condições políticas e a capacidade de execução, daí a curiosidade em relação a nomes da equipe econômica - sobre como endereçar questões antigas, como a solvência das contas públicas e o avanço da agenda de reformas que possibilite estimular investimentos e a atividade econômica. E isso independe dos candidatos e mesmo da retórica eleitoral, segundo os estrategistas.

Para Blanche, as incertezas políticas, bem como o cenário eleitoral, já refletem no preço do dólar. “As contas internas brasileiras e as inseguranças das eleições, das incertezas que a gente tem, sobretudo políticas, já se refletem no que vemos hoje do dólar”, disse. Ele afirma ainda que o Brasil tem “uma grande fragilidade cuja origem se chama fiscal”, que o problema será o mesmo para os dois candidatos - a questão é como cada governo vai agir pra encarar este cenário.

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“Ano eleitoral costuma ser um ano de aumento de volatilidade. Você já tinha um ambiente de menor crescimento econômico, discussões sobre gastos do governo e incertezas fiscais. Então, daqui pra frente, passa a valer mais os fundamentos locais: comportamento mais de equilíbrio pra negativo do real, até que a gente comece a eliminar incertezas de caráter fiscal e até ver quem ganhou, e como esse candidato vai se manifestar sobre estas e outras questões”, disse Vitor Péricles de Carvalho, estrategista-chefe e COO da Laic Asset Management.

Para o ex-BC Volpon, no entanto, há mais em jogo do que a questão fiscal do país. Ele concorda que os dois candidatos vão herdar o mesmo Brasil mas, de novo, chama a atenção para a escalada dos juros nos Estados Unidos, o que vai ditar o rumo do país, economicamente falando, no segundo semestre do ano.

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“O mercado está relativamente neutro em relação a um ou outro candidato. Em termos de câmbio, temos essa mania de dar muita atenção para o fiscal e desprezar outros fatores, como a questão dos juros. De qualquer forma, o próximo governo vai herdar uma situação possivelmente positiva - isso se o Fed não decidir explodir tudo, que é o grande risco do momento - mas a minha esperança é que isso ainda não ocorra. Diante deste cenário, com o preço das commodities em alta, fluxo financeiro bom vindo para o Brasil, enfim, combinações de coisas que o Brasil viu, no passado, gerar crescimento econômico. E o crescimento econômico gera receita tributária que resolve a questão fiscal”, explica.

O que esperar para o restante do ano?

O Federal Reserve, o banco central dos EUA, aumentou em março a taxa de juros pela primeira vez em quatro anos para o intervalo entre 0,25% e 0,5%, sinalizando outros seis aumentos. No entanto, parte do mercado não viu o movimento como adequado, considerando o Fed “atrás da curva” e pressionando por uma ação mais decisiva para segurar a inflação. Diante de tamanha pressão, que causou um verdadeiro tsumani nos mercados de juros e nos fundos de investimento de todo o mundo, o Fed teve que adotar uma postura mais agressiva na política monetária, disseram os especialistas.

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O grau de agressividade (e o sucesso) do Fed na condução do maior aperto monetário desde os anos 90 terá peso decisivo nos fluxos de recursos internacionais, incluindo o Brasil e demais mercados de risco. E é justamente a decisão de juros do Fed o que o economista Tony Volpon, da WHG, cita como fator determinante para nos levar “ao céu ou ao inferno”, nas palavras dele.

“Tenho essa coisa de céu e inferno, a depender do BC americano. Se o Federal Reserve realmente tomar a decisão de querer lidar com a inflação americana a custo de uma recessão, aumentando os juros, isso obviamente seria muito negativo para países emergentes e os segmentos de commodities. Aí sim poderíamos voltar a ter o dólar em alta, acima dos R$5, mas não próximo a casa dos R$6 como visto durante a pandemia. Já se o Federal Reserve conseguir fazer um pouso suave e decidir que tudo bem ter um pouco mais de inflação, já que o mundo atravessa este momento, aí sim podemos pensar num câmbio de R$ 4,30″, afirma.

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Já Caruso, economista-chefe do Banco Original, destaca o peso das commodities no rumo da moeda brasileira e considera que o chamado risco fiscal já vem sendo remunerado pela alta dos juros. “Olhando nossa bolsa, estamos muito baratos. É um dinheiro de curto prazo, mas é um fluxo razoavelmente expressivo”, disse.

Ele cita que, nas projeções do Banco Original, já é considerado que o segundo semestre do ano terá uma história um pouco diferente do que vimos em termos econômicos até agora em 2022. Para ele, o fato de os brasileiros irem às urnas para escolher um novo presidente em outubro é um elemento importante, mas não o mais importante - pelo menos quando pensamos na trajetória futura do dólar. “O que desenha um dólar mais alto e maior preocupação é o juro americano. Nas nossas contas, talvez ele tenha que subir mais do que já está precificado. Juro real mais alto historicamente conversou com dólar mais forte e, apesar do curto prazo ser surpreendente, o juro americano deve trazer o dólar para cima”, disse.

Volpon vê o câmbio atual “num certo equilíbrio” e diz que o Banco Central também tem um papel importante em direção ao futuro do dólar. “Há muitas dúvidas sobre o que vai acontecer na política monetária brasileira. Quando isso ficar mais claro, e se ficar mais claro em direção a uma eventual queda de juros, acho que isso pode atrair um fluxo de investimento estrangeiro que pode, mais uma vez, derrubar o dólar no patamar de R$ 4,20 ou R$ 4,30. E isso pode ser algo a acontecer num curto prazo”, diz.

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Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.

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