Bloomberg Línea — Desde a chegada de Joe Biden à Casa Branca no começo de 2021, o governo americano mudou significativamente o objetivo de sua política em relação ao regime de Nicolás Maduro, embora ainda não haja no horizonte o fim das sanções econômicas à Venezuela.
“O alívio unilateral das sanções não vai melhorar a vida das pessoas que vivem na Venezuela”, disse Juan González, membro do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos e principal conselheiro de Joe Biden para América Latina, nesta quinta-feira (19) durante o fórum Bloomberg New Economy Gateway, que está sendo realizado na Cidade do Panamá. As sanções foram implementadas a partir de 2017, primeiro ano da administração de Donald Trump.
As observações do diplomata norte-americano vieram depois de fortes críticas, no mesmo evento, feitas pelo presidente do Panamá, Laurentino Cortizo, para quem “as sanções são ineficazes contra o regime venezuelano, mas castigam muito a população do país”. A ex-presidente do Chile e atual chefe do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michele Bachelet, também presente ao evento, foi na mesma linha que Cortizo.
Gonzalez, primeiro alto diplomata norte-americano a encontrar-se com o líder venezuelano em muitos anos, participou do evento por vídeoconferência. “As sanções já estiveram centradas em uma troca de regime [até o final do governo Trump], hoje o nosso foco é em eleições livres e justas”, disse.
Em um cenário internacional conturbado de guerra entre Rússia e Ucrânia, alta dos preços do petróleo e inflação galopante em todo o mundo, o governo americano fez um gesto de pragmatismo aos mercados e ao governo venezuelano ao autorizar a petrolífera Chevron a continuar operando no país.
Questionado sobre se esse gesto poderia significar um atalho rumo ao fim das sanções, Gonzalez afirmou que não é o preço do petróleo que vai determinar o alívio das sanções, mas sim “uma expansão do espaço democrático na Venezuela”. Os EUA têm incentivado conversas entre governo e oposição em torno da realização de eleições.
Herdeiro político do chavismo, Maduro foi reeleito em maio de 2018 em um processo eleitoral com forte contestação da oposição e da comunidade internacional. A próxima eleição presidencial está marcada para maio de 2024, com posse prevista para janeiro de 2025.
POR QUE ISSO É IMPORTANTE PARA O BRASIL: Para o Brasil, principal economia do Hemisfério Sul, a queda do comércio bilateral com a Venezuela começou antes mesmo de os Estados Unidos passarem a adotar sanções em 2017, que tiveram foco sobretudo no setor de óleo e gás.
Os pesquisadores Pedro Silva Barros, Raphael Camargo de Lima e Helitton Cristoffer Carneiro, autores do estudo “Brasil-Venezuela: evolução das relações bilaterais e implicações da crise venezuelana para a inversão regional brasileira (1999-2021)”, apontam que o Brasil foi altamente superavitário durante a maior parte do regime chavista, baseando a maior parte das exportações em produtos manufaturados de médio e alto valor agregado.
Empresas brasileiras que prestam serviços de engenharia foram as principais beneficiárias do pico na relação bilateral dos dois países, segundo o estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em abril deste ano.
“As expressivas mudanças no comércio bilateral podem ser explicadas, em boa parte, pela estrutura do governo da Venezuela e ampla diplomacia presidencial empenhada entre Lula da Silva e Chávez. O Brasil beneficiou-se amplamente da fragilidade institucional do regime venezuelano, que, ao subordinar o comércio aos seus objetivos geopolíticos, centralizou a maior parte das decisões da área sob Chávez”, escrevem os pesquisadores do Ipea.
“Desse modo, a boa interação político-diplomática entre os dois países facilitou o amplo crescimento dos fluxos comerciais. Contudo, a baixa institucionalização dos mecanismos de interação possibilitou uma abrupta queda a partir da desaceleração em 2015″, escrevem, citando a mudança de política externa do Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff (2016).
Sob o atual governo, o Brasil adotou em 2019, pela primeira vez na história, sanções unilaterais contra o vizinho, seguindo a linha de Washington.
Antes disso, a partir do governo Temer - iniciado em 2016 -, a redução do comércio bilateral também andou junto com “a redução da complacência brasileira com relação às dívidas da Venezuela com o Brasil, em especial por parte de autarquias, como o Banco Central do Brasil (BCB) e o BNDES”, escrevem os autores. Era por meio do BNDES que empreiteiras brasileiras como a Andrade Gutierrez e a Odebrecht (atual Novonor) obtinham a principal fonte de financiamento à exportação de serviços de engenharia.
Entre 2017 e 2018, por exemplo, o Tesouro Nacional teve um déficit de R$ 1,38 bilhão devido aos repasses do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para importadores que deixaram de pagar as parcelas de empréstimos, afirma o estudo.
Já sob Bolsonaro, em 2019, o Brasil lançou uma portaria ministerial que impedia o ingresso “de altos funcionários do regime venezuelano” no país por supostamente contrariarem “princípios e objetivos da Constituição Federal, atentando contra a democracia, a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos”. Foi um alinhamento à política de sanções de Washington.
Empresas brasileiras de setores como o agronegócio e o de alimentos, que tinham negócios com o país, começaram a enfrentar dificuldades para receber depois que as sanções impostas pela administração Trump restringiram a capacidade do país de fazer pagamentos ao exterior em moeda forte.
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