Agrishow: A ideia, a queda e a retomada da maior feira agro da América Latina

Entenda os bastidores e a história do evento que envolvem reuniões secretas, desvio de dinheiro, mudança societária e a escolha de Ribeirão Preto

Maior feira agropecuária da América Latina volta a acontecer com público em Ribeirão Preto
27 de abril, 2022 | 08:53 AM

Bloomberg Línea — Fechados desde 2020 por conta da pandemia, os portões do parque tecnológico do Instituto Agronômico, em Ribeirão Preto, foram reabertos nesta semana para o início da Agrishow, a maior feira agropecuária da América Latina.

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Atualmente, a feira tem como sócios a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), Faesp (Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de São Paulo) e SRB (Sociedade Rural Brasileira), mas nem sempre foi assim.

A Bloomberg Línea conversou com algumas das pessoas envolvidas na criação e implementação da Agrishow, mas que preferiram ter suas identidades preservadas. “A Agrishow é um filho que deu certo, e todo mundo quer ser pai de um filho assim”, disse uma das fontes.

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A Agrishow, com esse nome, é realizada desde 1994, mas o projeto para a implementação de uma feira de tecnologia agrícola no Brasil nasceu três anos antes, em 1991, idealizado por Brasílio de Araújo Neto, sob o nome de Feira Dinâmica. Agricultor e presidente da Sociedade Rural do Paraná, ele apresentou à Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) um projeto nos mesmos moldes da Farm Progress Show, uma feira de tecnologia agrícola que acontece nos Estados Unidos desde 1953.

A ideia de Brasílio de levar a feira para a OCB era pelo interesse dele no envolvimento do cooperativismo com o projeto. Contudo, foi recomendado que ele apresentasse a ideia para Pedro de Camargo Neto, que havia assumido a presidência da Sociedade Rural Brasileira em 1990.

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O primeiro parceiro

À época, Camargo Neto e Brasílio fizeram um acordo de cavalheiros, mas sem um compromisso formal de apoio financeiro. Mesmo assim, Brasílio organiza por conta própria a primeira edição da Feira Dinâmica, em 1992, no Paraná, em sua própria fazenda. Contudo, o resultado ficou longe do esperado. Os organizadores não conseguiram atrair um grande público, os patrocínios obtidos não foram suficientes para cobrir as despesas e a feira encerrou sua primeira edição com prejuízo.

Uma nova tentativa ocorreu no ano seguinte, dessa vez, em Uberaba. Mesmo com os prejuízos da primeira edição, o Brasílio procurou a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) para buscar apoio na organização do evento. Uma das entidades rurais mais tradicionais do Brasil, a ABCZ já realizava desde 1935 a ExpoZebu. Sem os shows e atividades de entretenimento, já tradicionais da feira pecuária de Uberaba, a segunda edição da Feira Dinâmica foi, mais uma vez, um fracasso.

Ainda assim, aquele ano de 1993 seria fundamental para a Agrishow, mesmo com o segundo fracasso consecutivo. A segunda edição da feira, em Uberaba, contou com a visita do então novo presidente da SRB, Roberto Rodrigues. O então diretor da Tatu Marchesan Francisco Matturro também esteve em Minas Gerais para conhecer o evento. Naquele mesmo ano, Ney Bittencourt de Araújo fundaria a Abag dentro da própria SRB e se tornaria seu primeiro presidente.

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Uma bandeira para o setor

O nascimento da Abag em abril de 1993 foi fundamental para a Agrishow acontecer em 1994. A feira passou a ser usada como bandeira da entidade, o lugar onde produtores rurais teriam acesso às diferentes tecnologias apresentadas pelas empresas, colocando juntos diferentes elos da cadeia produtiva, algo que sempre esteve na missão da entidade.

Ainda em 1993, mais precisamente em agosto, Roberto Rodrigues tornou-se secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, sob a gestão de Luiz Antônio Fleury Filho, então governador paulista pelo PMDB. Sem orçamento, mas ainda empolgado com o que tinha visto meses antes em Uberaba, Rodrigues começa a trabalhar para encontrar um lugar para instalar a feira em São Paulo.

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O local mais adequado foi a fazenda experimental do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), em Ribeirão Preto, onde o evento acontece até hoje. A escolha da cidade foi baseada na infraestrutura logística e hoteleira já instalada, com aeroporto, rodovias e estradas locais capazes de receber o evento.

Edição de 2019 foi a última com público presencial e gerou R$ 2,9 bilhões em negócios durante a feira

Reunião sigilosa

Definido o local, era necessário envolver a prefeitura. Contudo, na época, o prefeito era Antonio Palocci, do PT, rival político do então governador Fleury. O encontro do ex-secretário estadual de agricultura Roberto Rodrigues e do então prefeito ocorreu de forma sigilosa, sem a anuência do governador, em uma reunião particular, intermediada por um empresário local. Anos mais tarde, Palocci foi um dos responsáveis por levar Rodrigues para o Ministério da Agricultura, na primeira gestão do ex-presidente Lula.

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Com o envolvimento da prefeitura acertado e o local definido, Abag, SRB e a Rural do Paraná, de Brasílio, decidiram envolver representantes de outros elos da cadeia do agronegócio. Juntamente com as três entidades, Aeasp (Associação dos Engenheiros Agrônomos de São Paulo), Anda e Andef (Associação Nacional de Defesa Vegetal), de defensivos agrícolas, se uniram ao projeto e formaram um conselho gestor liderado pela Abag. Como primeira medida, o conselho decidiu mudar o nome do evento de Feira Dinâmica para Agrishow.

Em 4 de maio de 1994, a Agrishow abriu as portas pela primeira vez com o novo nome e com a nova gestão. Na primeira edição, pouco mais de 60 empresas expuseram seus lançamentos para um público de aproximadamente 10 mil pessoas, revertendo dois anos consecutivos de fracassos para o que foi, na época, considerado um sucesso, gerando, inclusive, lucro para os seus organizadores.

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Otimistas com os resultados, os organizadores começaram a preparar a segunda edição da feira. Contudo, Bittencourt, que ainda presidia a Abag e era proprietário da Agroceres Sementes, passou a ter dificuldades com seus negócios pessoais e desviou suas atenções para a empresa. Em 1997, a Agroceres seria vendida para a Monsanto.

A Agrishow de 1995, depois do sucesso do ano anterior, teve um enorme prejuízo e quase deixou de existir. Posteriormente, identificou-se que desvios de recursos financeiros foram os responsáveis pelos resultados negativos daquele ano.

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A chegada de um novo sócio

Com o risco de não haver uma terceira edição, a Agrishow só sobreviveu devido à chegada de um novo sócio. Sérgio Magalhães, então presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) demonstrou interesse em assumir o controle da feira, o que incluía todos os ônus e dívidas provenientes de 1995. Contudo, algumas mudanças ocorreram para a edição de 1996.

Aeasp e Andef deixaram o conselho da feira. A Abimaq ficou com 80% do capital do evento, sendo os demais 20% divididos igualmente entre Abag, Anda e SRB. A Agrishow de 1996 ocorreu com a nova composição, com o patrocínio do Banco do Brasil e do Ministério da Agricultura, que aportaram R$ 500 mil cada um no evento, e voltou a conquistar o sucesso de 1994. Muitas vezes tida como a criadora do Agrishow, a Abimaq foi, na verdade, a salvadora do evento.

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Essa formação durou 19 anos, com a Agrishow crescendo ano após ano, seguindo os altos e baixos típicos do agronegócio. Em 2014, no entanto, uma quinta sócia passou a fazer parte da feira. Naquele ano, a Abimaq vendeu por R$ 4 milhões 10% de sua participação para a Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp).

Desde então, Abag, Abimaq, Anda, Faesp e SRB são os realizadores da Agrishow, que se transformou na maior feira agropecuária da América Latina e a segunda maior do mundo. Fica atrás apenas da Farm Progress Show, nos Estados Unidos, que foi a grande referência para a criação do evento nacional.

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Feira presencial

Fechada ao público desde 2020 por causa da pandemia, a Agrishow voltou a receber o público em 2022. A expectativa é que os negócios gerados durante a feira superem os resultados da edição de 2019, quando R$ 2,9 bilhões em produtos foram comercializados durante o evento. “Não é possível estimar o volume de negócios desse ano com precisão, mas as expectativas são muito boas. Em um raio de 100 quilômetros a partir de Ribeirão Preto, já não existem mais vagas de hotel disponíveis”, disse, em meados de março, Francisco Matturro, o mesmo que foi para Uberaba em 1990 e hoje é o presidente da Agrishow.

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Alexandre Inacio

Jornalista brasileiro, com mais de 20 anos de carreira, editor da Bloomberg Línea. Com passagens pela Gazeta Mercantil, Broadcast (Agência Estado) e Valor Econômico, também atuou como chefe de comunicação de multinacionais, órgãos públicos e como consultor de inteligência de mercado de commodities.

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