Bloomberg Línea — O enredo da vida do analista Marcos Eduardo Elias, 51, na indústria financeira é cheio de plot twists. Ex-gestor do extinto fundo Galleas, trocou uma posição segura para se aventurar na Empiricus Research, em 2009, um fenômeno de público que ganhou escala colada no fenômeno da multiplicação de pessoas físicas na renda variável no país.
Da glória como empreendedor, ele desceu sem escalas ao inferno: em 2018, ele foi preso pelas autoridades suíças, a pedido do FBI, e extraditado para os Estados Unidos. O caso envolveu a falsificação de documentos falsos, usando o nome da Zaffari (companhia de varejo com sede em Porto Alegre), para obter recursos de um banco de investimento nos Estados Unidos. Em troca de benefícios na dosimetria da pena, admitiu o crime em 2019 e foi condenado a três anos e seis meses em prisões dos estados de Nova York e Nova Jersey.
Na primeira penitenciária, no estado de Nova York, o brasileiro teve como colega de carceragem o bilionário Jeffrey Epstein – ex-estrela das finanças americanas, condenado por crimes sexuais, que se suicidou em agosto de 2019. Na segunda cadeia, em Nova Jersey, conviveu com o ex-governador biônico de São Paulo e ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin, coincidentemente também preso na Suíça para responder às acusações do Fifagate, a maior operação já deflagrada contra a corrupção no futebol global. Libertado em agosto do ano passado, Elias voltou ao Brasil para mais um recomeço.
“Ninguém que eu conhecia me virou as costas por causa de tudo o que aconteceu, recebi apoio da minha rede de relacionamento e fui recebido com goodwill por algumas pessoas. Mas encontro muita resistência do público em geral e de outras pessoas no mercado. Esses dias um influencer estava dizendo, no Youtube, uma coisa mais ou menos como ‘o Lula foi preso, o Marcos foi preso, por que deveríamos prestar atenção nas coisas que ele diz de novo?’”, contou Elias, em uma entrevista por videochamada à Bloomberg Línea.
“Decidi ser a cara de uma nova empresa sabendo que tenho de recuperar a credibilidade, mas acho que as pessoas estão com sede de informações importantes sobre o que está acontecendo nos mercados, de ver as oportunidades onde quer que elas estejam e é isso que estou voltando a fazer”, afirmou.
Trajetória de Elias
Engenheiro mecatrônico, Marcos Elias tornou-se auditor da EY depois que saiu da faculdade e entrou no mercado financeiro em 1998, como analista do antigo banco Brascan, atual BRKB. Migrou para o BNP Paribas onde foi chefe de research até fundar sua primeira gestora, a Gas Investimentos, em 2003. No mercado de capitais, também fundou a Galleas Capital e foi um dos sócios da Link Investimentos. No meio acadêmico, foi professor do Ibmec de 1997 a 2005 e da FGV de entre 2002 e 2006.
Na Empiricus, Elias atuou na operação desde a fundação da empresa em 2009 até 2012. Viu, de dentro da prisão, a empresa se envolver na polêmica campanha da influencer Bettina Rudolph em 2019, que dizia à época ter 22 anos e mais de R$ 1 milhão em patrimônio. Dois anos mais tarde, a Empiricus foi vendida por R$ 690 milhões para o BTG Pactual (BPAC11). Antes de ser preso, Elias passou pela CEC Capital, Guiar Investimentos e fundou a Modena Capital, sua terceira gestora de investimentos.
A Contra Corrente, nome da empresa que abriu neste ano, é, segundo ele, uma “tentativa de capturar a essência da Empiricus no começo”, uma empresa de análise de ativos voltada para os investidores institucionais, que nasceu com uma lista de mailing de 300 clientes. O Motley Fool, empresa americana que se tornou um fenômeno por abordagens aprofundadas de ativos ao redor do mundo, é uma das inspirações de Elias. O foco será o buy side e, seu diferencial, a extensa rede de contatos que diz ter entre grandes investidores e gestores do país até hoje.
“No sell side, precisam de muitos analistas, têm cobertura fixa, têm de manter aquela cobertura. Quando você está no buy side, é diferente: você não precisa se preocupar em repetir o que já foi falado, em fazer a conta que já foi feita, você tem que se preocupar somente com aquilo que muda o jogo”.
A ideia
A decisão por reinventar o modelo da Empiricus vem da percepção de Elias de que pouca coisa mudou na forma de munir os investidores com informações, dados e análises desde o lançamento da empresa de research que ajudou em fundar em 2009. “Nada mudou desde a Empiricus. Não surgiu nesse período nenhuma grande referência de investimentos no mercado”, diz o economista.
O modelo da Contra Corrente ainda não está 100% definido, em termos de regulação. Elias quer que a empresa seja uma pessoa jurídica de conteúdo, não uma research submetida à regulação. Segundo ele, a análise de ativos internacionais e megatendências foge ao escopo de um analista regulado no Brasil.
No fundo, não é uma questão nova. A Empiricus funcionou por vários anos como uma empresa de conteúdo – origem de um dos casos mais rumorosos da trajetória de Elias, quando ele teve o CNPI (certificação de analista) suspenso pela Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), por causa de um relatório em que – junto com os sócios Felipe Miranda e Rodolfo Amstalden – tecia duras críticas à Marfrig (MRFG3), em 2012. A Marfrig também processou a Empiricus.
“Depois ficou provado que todos os pontos que apontei, de inconsistências contábeis, estavam certos. A Marfrig gozava de ampla boa reputação até então. Se você pegar o motivo pelo qual eu fui suspenso, a deliberação, eles dizem que o trabalho de um analista deve ser como o relatório de um laboratório médico, como um Fleury, meramente informacional, sem retórica, sem adjetivação. Isso foi o que levou a gente na Empiricus na época a se desvincular da CVM e da Apimec. A gente precisava gozar da liberdade de imprensa e ter um tom mais editorial. O Persio Arida, no doutorado dele, diz que não pode existir economia sem retórica”, disse.
A CVM mandou a Marfrig republicar os balanços de 2011 e 2012.
“A gente ainda quer testar o modelo editorial que manteve a Empiricus por muitos anos, seria impossível fazer um relatório como o da Marfrig ou o do Fim do Brasil, com o gesso da CVM. Nos EUA, nenhuma empresa de research é vinculada à SEC [Securities and Exchange Commission, a reguladora americana]. A SEC já chegou a dizer a Motley Fool como um oásis para investidor por causa da independência”, defende.
“Se tiver que me vincular à CVM, eu vou me vincular, mas a CVM não vai moderar a minha opinião. Se achar que tem que vender, eu vou falar que tem que vender. Se achar que a empresa vale zero, eu vou falar que a empresa vale zero.”
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